Os mais antigos quadros negros
Após passarem uma semana caçando e abaterem vários animais, um grupo de oito homens encontra-se descansando à margem de um riacho que nasce na encosta oeste da Serra de São Bernardo. A abundância de animais na região surpreendeu positivamente aquela equipe de caçadores experientes, que decidiu marcar o local como uma boa reserva de caça, e para isso trataram logo de preparar a mistura de sangue dos animais abatidos com o óxido de ferro e a gordura vegetal que serviram de tinta para a sinalização feita em uma rocha granítica na encosta da serra.
O restante dos indivíduos daquele grupo, que era composto por cerca de mais 30 pessoas, entre mulheres, crianças e idosos, ainda estava a alguns dias de distância, e era proveniente de terras mais setentrionais. O objetivo deles era chegar até a Lájea Formosa, local ritualístico, onde fariam sacrifícios de algum animal capturado vivo e deixariam as marcas de suas mãos impressas na pedra. Eles acreditavam que isso garantiria uma descendência longa e próspera, e que, por sua vez, retornaria àquele lugar sempre que quisesse relembrar de seus antepassados.
Sim, eles estavam certos; não obstante a situação descrita acima ser fictícia, não encontra-se totalmente órfã de qualquer pensamento sensato. As inscrições rupestres, sejam elas pinturas ou gravuras (quando são escavadas na rocha), são encontradas em todo o território brasileiro e são objetos de estudo em diversas áreas do conhecimento científico, como a biologia, a química, a história e a antropologia, não se limitando, assim, como propriedade exclusiva da arqueologia.
Esse processo interdisciplinar permite que possamos entender melhor alguns aspectos culturais e comportamentais do homem, mesmo que não possamos traduzir de forma precisa o significado de cada achado de forma isolada. Nessa direção, o mestrando em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, Mizael Santos, aponta que “provavelmente alguns grupos que viviam no litoral do nordeste brasileiro desenvolveram hábitos mais sedentários, enquanto outros que habitavam o interior da mesma região demonstravam características mais nômades”.
O estudo dos sítios arqueológicos também nos mostra boas pistas para entendermos como se deu a ocupação do continente americano pelo homem. Segundo o professor Fábio Mafra, doutor em Arqueologia e professor do Departamento de História (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, embora existam teorias que sugiram que essa ocupação foi feita através da navegação de cabotagem, ou até mesmo por meio de cruzamentos transoceânicos, os dados apontam mais consistentemente para uma ocupação iniciada pelo estreito de Bering, no norte do continente. “O homem pode ter percorrido a América no sentido norte/sul pelo interior, ou mesmo pelo litoral, porém a constatação dessa segunda hipótese é bem mais difícil em função da provável destruição dos sítios arqueológicos litorâneos pelo aumento do nível do mar depois da última glaciação”, explica. As rotas escolhidas pelo homem nessa jornada continental também podem ser consequência dos recursos tecnológicos existentes ou mesmo das opções culturais de diversos grupos, que se alternavam entre nômades, sedentários, caçadores/coletores ou agricultores.
O Brasil, embora não tenha sítios arqueológicos da mesma relevância que a Cueva del Pendejo, no estado do Novo México nos Estados Unidos, a Grotte de Lascaux, no Sudoeste da França, ou mesmo da Cueva de Las Manos,que fica na Patagônia Argentina, destaca-se pela grande quantidade que possui. O Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), o Parque Nacional do Catimbau (PE), o Parque Arqueológico do Solstício (AP), o Lajedo de Soledade e o Sitio Mirador (RN) e o Sitio de Lagoa Santa (MG) são importantes registros de antigas ações antrópicas no território brasileiro. Desde o ano de 1988 a Constituição Federal protege legalmente e reconhece os nossos sítios arqueológicos como Patrimônio Cultural Brasileiro, ficando a cargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN a gestão desse patrimônio.
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