domingo, 30 de junho de 2019

Com vergonha na cara, todos os procuradores da Lava Jato pediriam para sair.

Reinaldo Azevedo
29/06/2019 

Sergio Moro: o iluminista das trevas tinha, vamos dizer, o reconhecimento de seus "parceiros" da Lava Jato (Foto: Dida Sampaio)
Bem, meus caros, dizer o quê? A cada nova informação que vem a público sobre diálogos travados entre procuradores da Lava Jato — com a participação de Sergio Moro ou sobre ele —, defender os métodos da força-tarefa e do ex-juiz e suas relações com a política deixa de ser uma questão de avaliação, gosto ou rigor técnico. Trata-se de uma questão de caráter e, vai ficando claro, de condescender ou não com ações criminosas. Lembrando sempre que a tarefa dos procuradores e do então juiz era… combater o crime.
Reportagem publicada neste sábado pelo site "The Intercept Brasil" traz à luz diálogos verdadeiramente asquerosos dos membros da força-tarefa. Procuradoras e procuradores tinham clareza absoluta da atuação indevida de Moro; fazem considerações muito pouco lisonjeiras sobre ela; admitem por meio de palavras ou da anuência silenciosa "violação [por Moro] do sistema acusatório", mas tomam a decisão — QUE TEM DE SER CHAMADA DE POLÍTICA — de endossar os desatinos do juiz.
A integra da reportagem está aqui. Transcrevo um trecho, acompanhado de alguns diálogos e comento.
*
Por Glenn Greenwald, Rafael Moro Martins, Leandro Demori, Victor Pougy:

Procuradores do Ministério Público Federal, em mensagens privadas trocadas em grupos com integrantes da Lava Jato, criticaram Sergio Moro duramente pelo que consideraram uma agenda pessoal e política do juiz. Eles foram além no decorrer e logo depois da campanha eleitoral de 2018: para os procuradores, Moro infringia sistematicamente os limites da magistratura para alcançar o que queria.
"Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados", disse a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro, uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceitado o convite de Jair Bolsonaro para se tornar ministro da Justiça. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato lamentavam que, ao aceitar o cargo (algo que ele havia prometido jamais fazer), Moro colocou em eterna dúvida a legitimidade e o legado da operação. Os óbvios questionamentos éticos envolvidos na ida do juiz ao ministério poderiam, afinal, dar maior credibilidade às alegações de que a Lava Jato teria motivações políticas.
Uma vez que o alinhamento de Moro com o bolsonarismo se tornou claro, até os maiores apoiadores do ex-juiz dentro da Lava Jato passaram a expressar um descontentamento antigo com as transgressões dele. Mesmo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol (que sempre defendeu Moro), e o decano do grupo, Carlos Fernando dos Santos Lima, íntimo do então juiz, confessaram preferir que ele não aderisse ao governo Bolsonaro.
Um dia antes do anúncio de Moro, em 31 de outubro, quando circulavam fortes boatos de que Moro participaria do governo Bolsonaro, a procuradora Jerusa Viecili, integrante da força-tarefa em Curitiba, escreveu no grupo Filhos do Januario 3: "Acho péssimo. Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo."
A procuradora Laura Tessler, também da força-tarefa, concordou com a avaliação: "Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro." Viecili completou: "E queimando o moro queima a LJ". Outro procurador da operação, Antônio Carlos Welter, enfatizou que a postura de Moro era "incompatível com a de Juiz":
No dia seguinte, 1º de novembro, quando ficou claro que Moro seria anunciado como ministro da Justiça, outros procuradores do MPF não envolvidos com a Lava Jato aderiram ao coro. Conversando no grupo BD, do qual faziam parte procuradores de vários estados, eles dispararam duras críticas ao ex-juiz:
É particularmente significativo que procuradores tenham chamado algumas absolvições de Moro de "tabelinhas" – destinadas a criar uma falsa percepção de imparcialidade –, já que as absolvições haviam sido citadas pelo ex-juiz e por Deltan Dallagnol justamente para refutar acusações de que Moro era o verdadeiro chefe dos procuradores.
Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel Dias, que atua na Lava Jato no Rio de Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele momento em diante, seria muito difícil "afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro".
(…)

RETOMO
Dizer o quê? Como se nota, um grupo estava constituído nas sombras, ciente das agressões à ordem legal ("Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato"), submetido aos solipsismos jurídicos de um juiz capaz de, na avaliação de um deles, "absolver para fazer tabelinha" — e, assim, afetar imparcialidade —, mas determinado a defender o indefensável.

CAIPIRA DESLUMBRADO
Sobra até espaço para um certo preconceito em relação às origens de Moro, que nasceu em Maringá, no interior do Paraná. Há a sugestão de que seja um caipira deslumbrado:

Quando Moro decide ser o braço de Bolsonaro no Ministério da Justiça, será que houve ao menos a tentação de a Lava Jato declarar a sua independência ou manifestar seu descontentamento? Não! Ao contrário. Deltan, fiel escudeiro do ex-juiz, comandou a ordem unida: criticar Moro seria criticar a operação. Proteger Moro seria proteger a Lava Jato. O nome disso é política.
Vamos ser claros: bastaria um pouco de vergonha na cara para que todos os procuradores que integram a força-tarefa pedissem dispensa dessa função. Mas não creio que vá acontecer. Não por ora ao menos. Muita coisa, tudo indica, vem por aí.
Uma mensagem chama a minha atenção num detalhe que parece bobo, mas que é simbólico destes dias. Ao comentar a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça, escreve o procurador Antônio Carlos Welter:
"Veja que um dos fundamentos do pedido feito ao comitê da Onu para anular o processo do Lula é justamente o de falta de parcialidade do juiz. E logo após as eleições ele é convidado para ser Ministro."

Ele quis escrever, claro!, "falta de IMPARCIALIDADE".
É normal que fazendo parte da Lava Jato, um procurador não saiba a diferença entre "parcialidade" e "imparcialidade".
Afinal, segundo uma das procuradoras, "Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados."
OUTRO LADO
Ah, sim: os procuradores não reconhecem os diálogos. Vamos ver até quando essa conversa é funcional — ao menos para os fanáticos.

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