CURIOSIDADES LITERÁRIAS:
6 frases de filósofos que nunca foram ditas:
A arte de citar filósofos famosos para dar peso e seriedade ao discurso é antiga e não se restringe a políticos ou apresentadores de TV.
Afinal, como dizia Platão, “A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento”. O problema é que algumas frases que ficaram famosas nas bocas e nos tweets das multidões, na verdade, nunca foram ditas.
E não adianta se gabar que a aquela citação que você publicou no Facebook está certa. “Tentar expressar as idéias de um filósofo através de uma única frase sua já é um erro em si, mesmo estando correta a citação. Elas muitas vezes são tiradas de contexto e induzem ao erro”, aponta o professor de filosofia do curso Anglo Gianpaolo Dorigo.
Os Filosofighters também não escapam dessas homenagens tortas. Veja agora como os nossos pensadores já se envolveram em polêmicas envolvendo as perigosas aspas.
1- “Só os mortos conhecem o fim da guerra”, atribuída a Platão.
O culpado: o comandante militar norte-americano Douglas MacArthur, filho de um dos grandes heróis da Guerra da Secessão.
Em um discurso nos anos 60, o militar atribuiu a frase a Platão. No entanto, as palavras foram escritas pelo filósofo, poeta e ensaísta espanhol George Santayana no livro “Solilóquios na Inglaterra”, de 1922. Pouco após o fim da Primeira Guerra Mundial, Santayana escreveu: “E os pobres coitados acham que estão a salvo! Eles acham que a guerra acabou! Apenas os mortos viram o fim da guerra”. Nada a ver com o nosso filosofighter grego. “A frase não me parece nem vagamente adequada à expressão das principais ideias do discípulo de Sócrates”, diz Gianpaolo Dorigo.
2- “Creio porque é absurdo”, atribuída a Santo Agostinho.
O culpado: a mania de tentar resumir o pensamento dos filósofos em uma frase.
Antes de ser colocada na boca de Agostinho de Hipona, a frase havia sido atribuída a Tertuliano, autor romano das primeiras fases do Cristianismo. Esse caso curioso de reatribuição de citação tem a ver com a valorização da fé expressa pelos dois pensadores cristãos, que declaravam crer em coisas que parecem incríveis, como a ressurreição de Cristo. O problema é que tentaram resumir as ideias de ambos através de uma sentença curta que não aparece explicitamente nas obras de nenhum deles. O mais próximo que Tertuliano chegou disso foi quando disse “E o Filho de Deus morreu, o que é crível justamente por ser inepto; e ressuscitou do sepulcro, o que é certo porque é impossível”.
3- “Deus está morto”, atribuída a Nietzsche.
O culpado: a descontextualização.
Aqui, o problema não é a frase, mas o conceito atribuído a Nietzsche.
O mal-humorado filosofighter de fato diz isso: a frase apareceu pela primeira vez em “A gaia ciência” e está também em sua famosa obra “Assim falou Zaratustra”. Mas as palavras têm sido muito mal interpretadas. Nietzsche não se referia à morte literal de Deus nem à morte de Jesus Cristo, e essa não era uma simples declaração de ateísmo. Logo em seguida, o filósofo completa: “Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!”. Ele queria dizer que a humanidade havia deixado de ter Deus como força ordenadora do mundo e fonte de valores. Com a morte de Deus, ele metaforiza a morte dos valores sagrados para os homens. Assim, eles deixariam de crer em quaisquer valores impostos.
Esse tipo de mal entendido é comum quando se fala em Nietzsche. “O seu hábito de efetivamente utilizar máximas e aforismos agressivos em seus livros acabou por transformá-lo em um pensador muito citado e pouco compreendido”, explica Gianpaolo. “E suas máximas, mesmo quando citadas corretamente, muitas vezes se perdem: o que para o pensador alemão era sobretudo uma provocação, para muitos se torna uma verdade incontestável e guia para a vida, no mais puro e estilo autoajuda”, completa.
4- “Os fins justificam os meios”, atribuída a Maquiavel.
O culpado: a tentativa de simplificar a ideia de “O Príncipe”.
A mais famosa frase atribuída a Nicolau Maquiavel nunca foi dita por ele. Segundo o professor Gianpaolo, trata-se de uma tentativa de condensar a ideia de sua obra “O Príncipe”, em especial do capítulo 18, em que aparecem os trechos: “…um príncipe (…) não pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de bons, precisando muitas vezes, para preservar o Estado, operar contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião. Aqui, “preservar o Estado” refere-se aos fins e “operar contra a caridade etc…” é interpretado como utilizar quaisquer meios. No mesmo capítulo, Maquiavel ainda diz: “nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final”. É uma simplificação bem empobrecedora.
5- “Se Deus não existe, tudo é permitido”, atribuída a Dostoiévski.
O culpado: Jean-Paul Sartre.
Desta vez, um de nossos Filosofighters foi o culpado, e não a vítima, de uma atribuição incorreta. No texto “O existencialismo é um humanismo”, Sartre diz: “Dostoiévski escreveu: ‘Se Deus não existisse, tudo seria permitido’. Eis o ponto de partida do existencialismo”. O escritor russo de fato inspirou os existencialistas, mas ele nunca disse isso. O mais próximo disso, que está em Os Irmãos Karamazov, é: “[...] é permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade regularizar sua vida como bem entender, de acordo com os novos princípios. Neste sentido, tudo é permitido [...] Como Deus e a imortalidade não existem, é permitido ao homem novo tornar-se um homem-deus, seja ele o único no mundo a viver assim”.
6- "Se não têm pão, que comam brioches”, atribuída a Maria Antonieta.
O culpado: a autobiografia de Rousseau.
A famosa frase foi usada como argumento contra Maria Antonieta durante a Revolução Francesa. A rainha a teria dito durante sua coroação, em 1774, quando soube que o povo das províncias francesas não tinha pão para comer. Só que não. A história veio de uma passagem na autobiografia “Confissões”, de Jean-Jacques Rousseau, que diz: “Recordo-me de uma grande princesa a quem se dizia que os camponeses não tinham pão, e que respondeu: ‘Pois que comam brioche’”. Os registros históricos disponíveis, entretanto, mostram que, na época de sua coroação, Maria Antonieta se preocupava com a situação dos pobres. Numa de suas cartas à mãe, ela chega até a criticar o alto preço do pão. Especula-se que Rousseau na verdade se referia a Maria Teresa de Espanha.
Fonte: revista Superinteressante
Via Sertão PB
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